quinta-feira, agosto 30, 2007

Som.

A mão dela girou em seu eixo um pouquinho, o volume aumentou e os três se atentaram.

"Olha, seu pai vai falar no rádio!"

Os ouvidos tilintam de curiosidade e expectativa, as duas crianças e a mãe ignoram o trânsito e apuram a audição.

"... Agora o diretor do Departamento de Cultura, Jean de Silve, irá comentar sobre a lei de incentivo ao cinema... Jean, o dinheiro que é gasto pelo Estado dessa forma retorna de alguma maneira para a população?..."


"Boa noite, Turíbio, sim, eu acho que há um retorno, de tal forma que... Veja bem, nós do S..."

"
Bam!"

Ouve-se um estouro, os três pulam assustados e saberão logo que o pai foi baleado por motivo algum.

"Começa agora a Hora do Brasil."

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domingo, agosto 26, 2007

O baile ao pé da letra.

Eu não sei dançar; os outros dançam por mim e apenas observo e me deleito ou me choro.

Eu não sei, mas sei fazer dançar e rodopiar e passos-pra-lá-pra-cá. A música eu não sei ouvir, mas sei seguir.

Se não sou eu que danço, quem é essa que se esbanja à minha frente?

Inalienável.

terça-feira, agosto 21, 2007

Feel'in the blanks.

Como não havia nada para fazer e estávamos sozinhos, de qualquer forma, ela resolveu me masturbar.

Ou eu resolvi que ela devia me masturbar.







Depois de tudo isso, tudo deu errado.

sábado, agosto 18, 2007

Crônica.

Doutro lado do metrô, logo ali na outra plataforma, separados de mim por um vão, há um homem e uma mulher.

A frase sofre de imprecisão e até mentira, eu sei, mas doutro lado um homem e uma mulher.

É um casal jovem, em média 15 anos cada um, um casal jovem e peculiar e até peculiar, e ambos se dão as mãos e ela é toda ternura com ele, e ele sorri aquele sorriso de homem que sabe que é amado e protegido por uma mulher.

Quanto amor naquele casal! E como ela trata o outro como se fosse uma bonequinha enorme, que merece todo o cuidado, e beija aquela boca dum jeito estranho e constrangedor para a gente que observa do lado de cá.

Uma dupla ao meu lado comenta os dois, pode-se ouvir um deles falando "É... Tá certo ele!", e ela é japonesa e ele é barbado, doutro lado. E as mãos dela tentam cobrir completamente a mão dele e ela tem uns oclinhos e ele tem sua pasta e sua cara de universitário.

Eu, aqui do meu lado, acho um absurdo aquele encantador casal, aquele encantador e jovem e peculiar, peculiar casal. Contemplo admirado, repugnado, , minhas coisas se mexem dentro de mim, e sou capaz de acreditar que todos os outros têm suas coisas móveis também. E um monte de borboletas.

Doutro lado do metrô, um crime à mostra, uma criança de 10 anos e outra de 20 se namoram. E a moral, e o moral? E minha vontade de ridicularizar o pobre rapaz? E minha vontade de me jogar nos trilhos?

E aquela boca infantil e todo o ranho das crianças?

Como pode?...

domingo, agosto 12, 2007

Margens.

De um lado do rio:
- Olá, você aí do outro lado, na outra margem, olá!
De um lado do rio:
- Olá, você que grita tanto. Que quer?
De um lado do rio:
- Alô, você me ouve bem?
De um lado do rio:
- Alô, mas é claro, por que grita?
De um lado do rio:
- Venha, venha para cá, você está do lado errado!
De um lado do rio:
- Venha você que parece não me ouvir...
De um lado do rio:
- Passe para cá, eu o espero!
De um lado do rio:
- Passe bem!
De um lado do rio:
- Há tempo, veja a ponte logo aí!
De um lado do rio:
- Há! Eu que não vou por aí.
De um lado do rio:
- Eu estou certo e o caminho é meu!
De um lado do rio:
- Eu pouco me importo, vou por aqui mesmo.
De um lado do rio:
- Ora! Parece que não está me ouvindo!
De um lado do rio:
- Ora, olha quem diz.
De um lado do rio:

De um lado do rio:
Dá de ombros.
De um lado do rio:
Puxa uma arma.
De um lado do rio:
de ombros.
De um lado do rio:
Acabou.

sexta-feira, agosto 03, 2007

Anedota, anedota.

Carlos pediu 50 esfihas para o encontro de amigos que aconteceria dali a pouco, preparou a mesa, distribuiu jornais pelos cantos da casa e consultou quão gelada estava a cerveja. Arrumou-se com certo esmero, ansioso pelo que viria, já prevendo a chegada de seus colegas, ensaiando alguns gestos, preparando as boas frases e piadas.

Passaram-se 30 minutos, os amigos chegaram, cumprimentaram-se amavelmente, abraçaram-se, beijaram-se e todo tipo de coisa que acontece quando pessoas não se vêem há muito tempo. Sentaram-se, conversaram um tanto e se inquietaram com a falta das esfihas. Ora, Carlos havia feito o pedido havia tempos e tempos!

Pegou o telefone, discou 30928400 e aguardou, impaciente, um bocado.

“Halabibi Esfihas, boa noite.”

“Boa. Ahn, eu fiz o pedido faz mais de 40 minutos e... ah, não chegou.”

“Por favor você poderia confirmar o número de seu telefone?”

[...]

“Senhor, vou estar checando por que o atraso do senhor, ok?”

“Claro.”

Após 5 torturantes minutos, todas as visitas sentadas à mesa, ansiosas, o atendente retornou ao telefone e, com voz pesarosa, disse que o motoboy, o Zé, um cara muito bacana, pai de família, havia sofrido um acidente grave, gravíssimo, enquanto tentava entregar as esfihas, que foi um desastre terrível, terrível! Provavelmente não seria mais capaz de andar e talvez até...

“Ora... Isso é muito triste! Eu... Nossa! E foi acontecer logo quando ele vinha fazer a minha entrega! Mas, bem... O que fazer, não é? Ahn... Bom, aquela promoção ainda tá de pé?”

“Senhor, qual promoção?”

“Se demorar mais de 30 não pago nada, né?”