quarta-feira, janeiro 31, 2007

Chegue, Chega.

Carlos na cadeira. Detalhe na porta. Carlos olha fixamente. Detalhe na pequena fresta da porta, chão sujo. Carlos observa, com um livro na mão. Crime e Castigo. Carlos com o livro aberto. Carlos com o livro fechado. Detalhe na porta. Carlos observa fixamente. Passos. Carlos pisca. Passos. Carlos se inclina. Passos, passos. Carlos se levanta. Detalhe na fresta, carta no chão. Carlos vê fixamente, de pé. Detalhe na carta. Sedex. Carlos sua. Detalhe nos pés descalços de Carlos. Carlos se abaixa. Detalhe na mão de Carlos, pegando a carta. Carlos leva a carta para perto de seu rosto. Carlos coloca a mão no bolso. Detalhe na carta. Detalhe no isqueiro em movimento. Detalhe na chama. Detalhe na carta ardendo em chamas e o plástico do invólucro gotejando. Detalhe no chão. Carlos engole em seco. Detalhe na cadeira. Carlos se senta.

FIM

segunda-feira, janeiro 29, 2007

Perfil.

Arquivado: dia 29/01/07

"Eu busco conhecimento.
Re-conhecimento.
Senhecimento.

Chega de cimento, chega!

Mas a vida no campo não compensa. Por isso, só posso dizer: Dê-me sua boca, apenas por alguns instantes. É importante e não será nad'e'mal.

Não! Não me dê as costas!

Filha da puta."

Arquivado: dia 04/02/07

"Vi a mulher mais linda do mundo logo lá, no metrô. Perfeita."

quinta-feira, janeiro 18, 2007

Fuja.

- Então você veio mesmo.

Pedro estava deitado confortavelmente em sua cama, olhando para o ar logo a sua frente, poucos metros adiante. Havia nada, mas havia também um menino nu, olhando fixamente para ele.

- Então você pode me ver.
- Hah, esperava algo diferente?
- As pessoas normalmente não podem.

O menino nu era, também, ao mesmo tempo mas alternadamente, um homem nu de 30 e poucos anos, exatamente igual a Pedro. E era, também, também, ao mesmo tempo todos os intervalos de tempo entre o menino e o adulto, e todos esses eram, também, também, também, exatamente iguais a Pedro caso fôssemos voltando gradualmente sua idade até a que o menino-adulto que estava ali aparentava quando aparentava ser um menino.

- Ponto para mim, então! Mas eu só o vejo porque abriram meus olhos, agora eu sei.
- Sabe mesmo?

Enquanto o menino-adulto falava, seu corpo insistia em mudar e mudar e mudar, indo e voltando no tempo.

- Claro que sei, claro que sei. Ademais, sei e sei e sei.
- Delira, já?
- Sim, posso vê-lo.

Pedro fervia de/em febre. Detalhe na mão trêmula dele.

- Sabe quem eu sou, este é um dos seus sei's.
- Exato. Seja bem vindo, Morte.


Morte não portava uma ceifa, nem tinha seu manto negro e pesado e ossos no lugar de pele. Mas o sorriso ironicamente macabro estava lá, naquele menino-adulto, como o de um esqueleto que tenta conformar/assombrar sua vítima.

- Obrigado, pouquíssimas pessoas receber-me-iam de braços abertos como você.
- Como Cristo. Hah.
- Hah.
- Bom, Morte, mas eu sei que não é esse o caso. Digo, nunca ninguém mais receber-lhe-ia porque você é só meu/minha. Eu sei que há um/uma Morte para cada pessoa, que você não é um organismo metafísico onipresente e onisciente e tudo o mais.

Morte agora estava agora logo ao pé da cama, olhando para os pés de Pedro e ponderando. Pedro fora um menino lindíssimo, um adolescente feíssimo e um adulto mais-ou-menos, então o resultado geral do menino-adulto lá era, em geral, medíocre.

- Você está certo, Pedro. Eu existo única e exclusivamente para lhe matar/morrer, não há mais nada, nada.
- Certo. Morte, eu tenho uma idéia diferente, eu vou lhe matar.
- Ora, mesmo?

Detalhe na outra mão trêmula dele, um revólver gelado e brilhante e carregado.

- Sim. Eu não blefo.
- Imagino que seja um péssimo jogador de pôquer, então.
- Nem tanto, eu sou sortudo.
- Mas e quanto a seu câncer? Se você me matar, seu câncer continuará existindo e, enfim, seu cérebro virará uma gosma cancerígena incapaz de pensar e qualquer outra coisa, enquanto você continua vivo para sempre por ter matado o próprio/a própria Morte.
- Como os imortais de Gulliver. Eu estou preparado para tudo isso.

Morte suspirou.

- Será sofrimento eterno. Olhe, por que trocar a incerteza de um Inferno pela certeza de um em vida?
- Porque eu gosto de ter certezas.
- Vá em frente, então, mate-me e mostre-me como foge de seu Destino. Espero que aproveite sua invalidez infinita após minha morte.

Abriram-se os braços de Morte como os de um mártir, como os daquele que se sacrificara em vão por toda a humanidade, e, quando o menino-adulto parecia ser apenas adulto, lá foram as balas de Pedro, buscando abrigo nos peitos de Morte. Voou longe, explodiu sangue, bateu na porta, caiu no chão.

Pedro suspirou, cansado e com dores de cabeça já infinitas. Talvez seu/sua Morte estivesse blefando e seu câncer cerebral não fosse durar para todo o sempre, junto com sua vida. Talvez houvesse uma melhora ou, ainda, fosse possível conviver com o câncer mantendo-se racional e são.

Sendo como for, era hora de dormir um pouco. Ficara tempos e mais tempos esperando Morte, preparado para se livrar de seu algoz. Agora havia de haver sono.

Dormiu.


Como Pedro conjecturava, Morte realmente blefava. O câncer não durou para sempre, já que acabou com o/a Morte de Pedro, naquela noite.

segunda-feira, janeiro 15, 2007

O homem-sem-charme.

I met him in a crowded room
Where people go to drink away their gloom
He sat me down and so began
The story of a charmless man
Educated the expensive way
He knows his claret from his beaujolais
I think he’d like to have been Ronnie Kray
But then nature didn’t make him that way

He thinks he’s educated, airs those family shares
Will protect him, that we’ll respect him
He moves in circles of friends who just pretend
That they like him, he does the same to them
And when you put it all together
There’s the model of a charmless man

He knows the singers and their cavalry
Says he can get in anywhere for free
I began to go a little cross-eyed
And from this charmless man I just had to hide

He talks at speed he gets nosebleeds
He doesn’t see his days are tumbling down upon him
And yet he tries so hard to please
He’s just so keen for you to listen
But no-one’s listening
And when you put it all together there’s the model of a charmlessman


porblursobremimmaséclaroqueprecisaseabstrairbastante.

domingo, janeiro 07, 2007

Trabalhando com arte.

- Eu quero que você tire sua roupa, agora.

Prancheta na mão.

- Isso, assim. Você é linda mesmo.

Vai e vem com a caneta.

- Você pode chegar mais perto, por favor?

Rabisca, rabisca, rabisca.

- Estamos quase terminando. Linda, linda!

Ajustes finais.

- Perfeito! O texto já está pronto, pode ir pra casa que tá tarde.