sexta-feira, fevereiro 29, 2008

Simpleza dum bem-notado.

A menina me olhou e eu notei que estava olhado, abaixei logo o meu rosto com medo de estar corado. Não se importe, me falou, de ficar aqui ao meu lado, eu não mordo e nem converso, não havendo interessado. Nada disso, reiterei, não há nada aqui errado; ao contrário, me pensei, devo é estar apaixonado. Ela riu e se aproximou, me deixando encabulado, você é lindo, garotinho, todo-todo acanhado. Não fugi mas não fiquei, queria mesmo um bocado daquela boca, minha dona, nem que fosse a machado. Não não foi, eu não fiz nada, eu é que fui atacado.

quarta-feira, fevereiro 27, 2008

A lógica dos embates.

Atira o tira: tiro à toa, tiroteio.

domingo, fevereiro 24, 2008

Pausa para apuração.

Ele leu tanto, tanto e tanto, no entanto não soube escrever.

sábado, fevereiro 23, 2008

Não-haicai.

Porcos comunistas,
Gaviões capitalistas,
Tomemos refúgio!

segunda-feira, fevereiro 18, 2008

A derradeira.

Na primeira vez em que me matei, meu nome era João. Escondi perfeitamente meu crime, como se fosse casualidade: narrava em terceira pessoa, e João era certamente mais baixo e mais feio que eu. Era um verdadeiro fodido, coisa que não sou, pelo menos não pareço ser. Fiz com que ele — ele era eu, espero que vocês entendam — levasse o tiro de um assaltante barato e burro; morreu, e nenhum dos meus leitores lhe deu muita atenção.

Aquele primeiro suicídio me foi alentador, foi indolorosamente inodoro e quase impessoal; no entanto, tive que repetir a dose com Lola — a vida dela acabou ao tropeçar na merda da bosta dum cachorro que havia sido deixada para lá por sua dona, de forma que o conto tinha quase um caráter ambientalista —, que, ao menos, era escritora como eu. As pessoas ao redor aplaudiram a queda de Lola e ficamos quietos, não podíamos contar que nossa morte fora proposital.

Pediram-me, pura coincidência, para escrever algumas notinhas sobre Maiakovski: deliciei-me escrevendo, ao fim da minúscula biografia, as palavras "Suicidou-se". Ali estava eu me matando mais uma vez, junto também com Iessienin, poucos anos antes. Eu tirava a minha vida ao mesmo tempo que criticava a fuga pelo suicídio de Iessienin, que também era eu e todos nós, soviéticos.

Uma série de outros nomes vieram vindo ao meu caderno, compunha também outras biografias, todos os escritores acabavam com o simples "Suicidou-se", Quiroga suicidou-se, Toole suicidou-se, Daniel suicidou-se, Gogol praticamente suicidou-se, porra, Hemingway suicidou-se e toda essa corja nojenta era eu e me destruí cada vez que acabei de falar de um dos meus outros eus - ninguém leu meus pequenos resumos.

Cada personagem que matei, nesse interim, foi um ato lúcido de auto-assassinato. Sendo como for, tudo só serviu como apaziguamento, inclusive as mortes em primeira pessoa. Os narradores morriam e a história acabava, ou então artificialmente tudo continuava — não acredito nessa coisa de vida após o fim da vida — e dava no mesmo: era real, mas não o suficiente. E nenhum de vocês sequer desconfiou.

Mato-me de novo, agora, logo após o fim deste conto. Parece definitivo e verdadeiro, parece muito além das quasiverdades literárias, parece melhor do que dar meu nome para algum personagem e então enterrá-lo, parece digno de uma biografia feita por alguém mais. Foda-se. O método é simples e não importa, e me dou ao luxo de escrever no presente quando, obviamente, falo do futuro.

Pois bem. Agora, suicido-me.

sexta-feira, fevereiro 15, 2008

Escassez.

Ela gostou do meu presente. Dei-lhe uma obra nunca publicada escrita por mim, concisa, bonita, inteligente, etc. Ela gostou do meu presente.

Resolvi repeti-lo ano passado e repetiu também o gostar. Leu tudo em uma semana e me fez um relatório agridoce (obrigado pelo presente! esse eu achei um pouco mais... mas...).

Tentei mais uma vez agora, mês passado. Ela sorriu de novo para mim, tomou minha cópia encadernada em mãos e perguntou

Quando diabos você vai publicá-los?


Qual a graça de livros inéditos escritos por um autor também inédito?




Muito engraçado da parte dela. Gente espirituosa e sincera é a coisa mais importante do mundo. Mais importante do que nós, impublicáveis.

Eu pensei em mentir e dizer que só não o fazia porque gostava de ser seu escritor pessoal, seu autor único, etc. Mentiras não levam a nada.

Recurvei-me de tristeza e estendi a mão, pedindo o original de volta. Ela teve pena, parece, ofereceu-me seu corpo junto com os papéis. Tudo bem.
Ela já não era inédita.


Eu não peço exclusividade, se ela já foi aceita e requisitada por outros, deve ser boa.

quarta-feira, fevereiro 13, 2008

Opiniões sobre os sentires.

"Acho que só devemos ler a espécie de livros que nos fere e trespassa. Se o livro que estamos lendo não nos acorda com uma pancada na cabeça, por que o estamos lendo? Porque nos faz felizes, como você escreve? Bom Deus, seríamos felizes precisamente se não tivéssemos livros e a espécie de livros que nos torna felizes é a espécie de livros que escreveríamos se a isso fôssemos obrigados. Nós precisamos de livros que nos afetam como um desastre, que nos magoam profundamente, como a morte de alguém a quem amávamos mais do que a nós mesmos, como ser banido para uma floresta longe de todos. Um livro tem que ser como um machado para quebrar o mar de gelo que há dentro de nós."
Citação talvez não tão precisa de Franz Kafka.

Literatura me parece que é assim mesmo, ou ao menos os livros que gosto mais têm efeito (em mim) similar ao descrito pelo Kafka; não sei se é bem mágoa o que sinto - ou penso -, é um sentimento único que os livros parecem deixar, um sufocamento e um vazio que parece levar parte de mim, eles destroem o que eu sou aos poucos ou com golpes vigorosos. Perco todos os meus valores, inclusive o da descrença, conforme engulo os livros.

(É curioso, talvez as pessoas reafirmem que eu não sou um personagem e tenho que acreditar nas coisas. Acredito, mas não com todo o meu corpo)

Os romances longos deixam, ao fim, a sensação clara de saudade do que acabei de ler, o vazio que a própria presença do livro traz. Aprender a pensar com o narrador e perdê-lo é uma castração freudiana ou qualquer lixo psicanalítico. Em contrapartida, os contos e outros textos de "menor duração" tem um impacto imediato e podem alcançar uma tensão indizível.

(Talvez Crime e Castigo e Metamorfose possam ilustrar cada um dos casos)

etc.

(Alcancei o enfado próprio)

Sei que não alcanço nada disso com meus textos, sei que não há tensão suficiente (embora a destruição também possa vir da falta de tensão, da falta de enredo, da falta de decoro) e percebo a imaturidade disto tudo. Reli o que acabei de escrever e notei que deixei muito de fora, que só seria possível explicar o que eu sinto se eu exemplificasse com cada livro - Guimarães destrói a linguagem, ou então Cortázar nos coloca em animação suspensa, ou Camus mata minha família -, percebo também que só apelo para minha opinião porque a "literatura" se nega a sair da minha cabeça (ia escrever "de minhas mãos") e o hiato está instaurado faz já algum tempo.

Que seja, que seja. Na falta da mentira, tento ser franco.

segunda-feira, fevereiro 11, 2008

Somos assim:

Dados tirados do google:

aproximadamente 6.590.000 para "eu sou" (0,15 segundos)
aproximadamente 392.000 para "tu és" (0,47 segundos)
aproximadamente 394.000 para "você é" (0,23 segundos)
aproximadamente 301.000 para "ele é" (0,24 segundos)
aproximadamente 267.000 para "nós somos" (0,24 segundos)
aproximadamente 36.500 para "vós sois" (0,23 segundos)
aproximadamente 172.000 para "voces são" (0,24 segundos)
aproximadamente 266.000 para "eles são" (0,26 segundos)
aproximadamente 313.000 para "elas são" (0,26 segundos)

domingo, fevereiro 10, 2008

O autor regride às técnicas da estética onírica.

Tremo todo, tua garganta aberta, faca fura fundo, não houve intenção de acabar com o sonho dessa tua vida, trilho torturante que não levaria a lugar algum.
A técnica é simples, escrevo em gauche sobre tela de computador.
Sangue sempre surge, lâmina lambera seu pescoço lindo de melhor amigo, de maior rival, de amante tolo de tudo que é sujo, das apostas e também das bostas que se chamam, às vezes, de mulheres.
Pastel sobre gauche e temos um perfeito De Bosche.

sábado, fevereiro 09, 2008

e.e. cummings

Ele é ótimo (o autor, o poema) e agora eu jogo a porra da minha máscara no chão e a xingo e cuspo e cago e faço todas as outras coisas que eu queria fazer com você em cima dela, apenas para poder mostrá-lo para os senhores.

the boys i mean are not refined
they go with girls who buck and bite
they do not give a fuck for luck
they hump them thirteen times a night

one hangs a hat upon her tit
one carves a cross on her behind
they do not give a shit for wit
the boys i mean are not refined

they come with girls who bite and buck
who cannot read and cannot write
who laugh like they would fall apart
and masturbate with dynamite

the boys i mean are not refined
they cannot chat of that and this
they do not give a fart for art
they kill like you would take a piss

they speak whatever's on their mind
they do whatever's in their pants
the boys i mean are not refined
they shake the mountains when they dance

quinta-feira, fevereiro 07, 2008

Quentura da caneca.

Amo a mo
lher de chá

quarta-feira, fevereiro 06, 2008

Flashback.

Carlos efetivamente matou pela primeira vez aos onze anos, com uma espingardinha de chumbinho de cano torto. Depois de um dia inteiro atirando em latinhas no sítio de seu avô, Carlos viu um beija-flor azul muito longe, flutuando próximo a uma árvore. Quase não mirou, apenas apontou e atirou e acabou acertando o pescoço do passarinho.

Ninguém nunca soube daquele crime acidental, mas agora é a Guerra e Carlos está sobre uma árvore. Seu adversário está na mira, bem no centro da mira de seu fuzil. Carlos balbucia que o idiota nem saberá o que o abateu e, fechando fortemente os olhos, atira. A bala atinge o capacete do inimigo, ricocheteia e voa longe, zunindo. Carlos abre os olhos lentamente e sorri pela boa sorte de seu oponente que, quase sem mirar, destrói o pescoço de Carlos com uma bala certeira.