quinta-feira, maio 31, 2007

Refluxos;

Escute:

Billy Pilgrim soltou-se no tempo.

domingo, maio 27, 2007

Prófase I.

Agora, ela só era capaz de tentar focar seu olhar sobre a caneca sobre o pires, insistentemente olhando para um ponto um pouco mais distante do que o que procurava. Além disso, tremia de leve, tentava saber de onde vieram aquelas memórias e porque haviam sumido.

Naquele dia, lembrara, duas pessoas morreram, e o telefone lhe contara mais coisas além das poucas palavras que lembrava, que se limitavam a... Como era horrível se lembrar da voz amorfa! Não era exatamente um som, era como se houvesse conversado com idéias em seu estado mais puro, algo verdadeiramente divino, como... Monera.

Conseguiu, neste momento, sorrir de si mesma e de suas loucuras. Não havia ela mesma inventado o terrível acidente e aquela temível voz, que a fez chorar tanto e sofrer tanto quanto um humano poderia chorar e sofrer? Pois talvez...

TRIIIIIIIIIIIIM...
Sentiu o frio percorrendo-a,
TRIIIIIIIIIIIIM...
Cerrou os punhos e os olhos com força,
TRIII...!
- Oi.
Ela atendeu o telefone apenas porque o toque fazia sua cabeça doer e não havia mais ninguém para atendê-lo. Temia, é fato, que fosse novamente a voz, que novamente ela matasse alguém, que...
- Monera? É Carlos... Você não aparecerá na reunião, não é? Aconteceu alguma coisa?
- Não, é que... Cá, eu... Olha, eu tô c'uma puta dor de cabeça, mal consigo me levantar...
- Ceeeerto... Olha, tudo de melhor pra você, então.
- Não, mas eu faço a minha parte, pode ter certeza! Eu juro que se precisarem...
- Se precisarem? - e riu - Você faz parte do grupo!

Ouviu-se o silêncio do outro lado, marcado pela respiração ofegante de Monera. Carlos se mexeu do outro lado do telefone, impaciente.
- Mona, cê tá muito mal?
- Você... fala... falou em... negrito e itálico...?
- Olha... Eu vou deixar você descansar. Depois a gente vê como a gente faz. Melhora, hein?
Cléquiti.
Tuu--tuu--tuu--tuu--Monera--minha--Monera--tuu--és--a--deusa--da--humanidade--.
--Aceite--tuu--tuu-tuu--se--e--ao--mundo-- Atenção, o número que você discou não está disponível, verifique se...
Cléquiti.
Monera tremia de frio, encolhida no chão. Não podia ser, ela realmente ouviu a voz, pôde tentar decifrar se era um homem ou uma mulher, novamente, sentiu-se invadida como antes. De olhos vidrados, levantou-se incerta, procurou a janela, colocou ambas as mãos no fecho e falhou miseravelmente tentando abri-la. Jorrava lágrimas, mas sabia o que via: a janela negava-se abrir para ela.

Monera bateu o punho na escrivaninha algumas vezes, fazendo voar aleatoriamente os papéis, que, como pára-quedistas, cairam por toda sala, que era também seu escritório e quarto. Um logo à sua frente, exuberava a seguinte frase, em Minion, tamanho 24:

"A ti permite-se apenas a observação do mundo deles, que são como tu, exatamente como tu, mas não deuses."

Ela ergueu seu braço, formando uma linda silhueta carregada de raiva, e o baixou com toda a fúria que possuía, acertando em cheio a folha, a maldita folha que se levava muito a sério, e 10 mil japoneses do outro lado do mundo, vítimas do terremoto repentino que acometeu a península.

Quebrou-se um osso da mão de Monera, no entanto.

sábado, maio 05, 2007

Intérfase I.

O fato é que Monera se esquecera daquilo com certa facilidade, auxiliada pelo suposto superego e dois anos de vida. Da mesma forma que não lembrava mais do irônico episódio da moto, a revelação de que era uma deusa foi renegada para cantinhos escuros e pouco visitados de seu cérebro. Entretanto, ela levava uma vida razoável, às vezes até divertida, e assim ia indo.

Ela acordou, cansadíssima e com a cabeça latejante, espreguiçou-se, foi ao banheiro, despiu-se num só movimento e abriu o registro, chuááá direto na sua cabeça. Mas estava tão cansada que não sentiu a água, não sentiu o frio costumeiro que logo é trocado pelo calor do chuveiro elétrico; em suma, não sentiu nada.

Passados alguns segundos, Monera percebeu que havia algo errado, já que a água insistia em evitá-la, em correr em torno de seu corpo sem realmente tocá-la, em fugir de sua pele como foge da gordura.

Ela deslizou pelo box, lembrou-se da moto, dos corpos e da voz.

Ela se molhou toda.

Em sua cabeça, zunia a mensagem artificial, autômata e anômala:
- Monera, minha Monera, tu és a deusa da Humanidade.

terça-feira, maio 01, 2007

O telefone tocava:

TRIIIIIIIIIIIIM... TRIIIIIIIIIIIIM... TRIII...!
- Oba.
Ela atendeu o orelhão apenas porque ele estava tocando e ninguém parecia disposto a atendê-lo. Agora, se dispunha a ouvir o barulho do silêncio d'outro lado.
- Diga lá, quem é?
- Alô, é você, não é?
Considerou um pouco, enquanto imaginava qual era o sexo daquela voz sem vibração e sem forma:
- Sim, sou eu.
- Ótimo. Preparada para aceitar o seu Destino - falou a voz em negrito e itálico.
- Haha, suponho que sim.
- Muito bom. Vê aquela pessoa quase a atravessar a avenida? Ela esqueceu a carteira no chão.

Ela, uma jovem chamada Monera, levantou os olhos à busca de uma pessoa e sua carteira. Alguns minutos a leste, viu um homem calvo, roupas sociais, atravessando com firmeza a avenida. Um pouco atrás dele, a peça de couro caída.
- Senhor, você deixou cair sua carteira! - gritou, num desespero desajeitado e despropositado.
Ele se virou, assustado, procurou com os olhos a voz que o gritou, então a sua carteira e, quando ia buscá-la, foi atropelado por uma moto em altíssima velocidade, cujo motorista, infeliz motorista desprevinido, foi catapultado e caiu de cabeça, descapacitando o pobre cérebro descapacetado.

Monera gritou e grudou-se ao telefone público, deslizou direto ao chão, querendo chorar e não conseguindo, abrindo e não fechando mais a boca.

A voz disse:
- Monera, minha Monera, tu és a deusa da Humanidade.