quinta-feira, maio 26, 2011

segunda-feira, maio 23, 2011

Cena em primeira pessoa.

Com a ponta do dedo, escrevo em sua coxa a palavra TEXTO. Ficamos quietos.

sexta-feira, maio 20, 2011

o gato desengatou?

O gato está agindo de um jeito esquisito
pior que nem sei faz quanto tempo
os gatos são opacos feito paredes

Percebi hoje que ele desvia o olhar de mim
que ele não roça mais em minhas pernas
que ele não mia mais quando está com fome

O gato me encara debaixo da escada
eu não sei o que dizer
Há quanto tempo está mal, gatinho?

Talvez não esteja mal
essa mania de acharmos que tudo que é estranho é mau
talvez isto que esteja incomodando o gato

Sei que assistir tevê sem o gato não é a mesma coisa

quarta-feira, maio 18, 2011

Razões pelas quais adoro verdadeiramente o sexo.

Não vou dizer que é pelo amor, não vou dizer que é porque a natureza é bela, porque é aí que nos permitimos ser animais, ignorar a racionalidade, porque é daí que a vida vem. Essas porras nem são verdade de verdade. A verdade é que há algo no sexo que me atrai (o cheiro, o gosto, sua pele, seus calores?), talvez porque seja um abraço final, se feito com carinho; um aperto de mão perfeito, se feito às pressas – como um negócio –; o beijo mais molhado que se pode cumprir.


Sexo não se faz, cumpre-se.


Não há nada de superficial (mesmo suas peles são profundidade) no sexo.


Entendo as ressalvas políticas que se fazem em relação ao sexo. Como todo segredo universal, é mal entendido e praticado por muitos, talvez pelo véu que é posto sobre nós. Mas eu o entendo mais ou menos assim.


Desculpem pelo trote.

domingo, maio 08, 2011

uma linha.

um traço em todas as direções – de seus dedos a não-sei-mais-onde – sem a certeza de alcançar alguém, uma poética cotidiana que todos praticam… as palavras se dissipam em rede: multiplicação às cegas, divisão por zero? todos os oceanos são, hoje, letra.

daqui ao infinito (isto é: daqui a lugar algum).

quinta-feira, maio 05, 2011

O Preceptor.

Sala de reuniões de uma empresa de telefonia. Marcos, um produtor e diretor de cinema, senta-se de frente a Paulo, representante de uma pequena empresa de telefonia. Há uma pequena câmera filmadora em cima da mesa, apontada para Marcos.

PAULO
Conversei com o Sr. de la Roche e restaram algumas dúvidas em relação a seu projeto. Ele está bem escrito e apresentado, as planilhas estão todas corretas, veja bem, mas concordamos — eu e o Sr. de La Roche — que faltava... Como se diz? Faltava vida, algum brilho. O senhor... como era, mesmo?

MARCOS
Marcos Bonfim, senhor.

PAULO
Marcos Bonfim, sim. O senhor era dançarino antes, diz aqui em seu currículo.

MARCOS
Sim.

PAULO
E agora é produtor de cinema. As câmeras não o incomodam, então, não é mesmo? (Tosse.) Você deve adorar uma câmera? Você tem ombros bonitos.

MARCOS
Mmm... É, sim, senhor Paulo.

PAULO
Muito bem, hein? De dançarino a produtor e diretor de cinema! Incrível, incrível, poxa vida. (
Tosse.) Você sabe, as câmeras são para nossa segurança, nunca se sabe, não é mesmo? (Espirra.) Enfim, sobre a vida do projeto, você sabe que não estamos acostumados a atender gente pequena, se você está aqui é porque simpatizamos muito com o senhor.

MARCOS (assente com a cabeça)
Muito obrigado, senhor. Vocês... Quando pensávamos no projeto, achamos que sua marca combinava perfeitamente com nossa história, isso porque... Você sabe, o setor da telefonia e o da música, não é mesmo? E sendo um musical...

PAULO
Claro. Você dança, então?

MARCOS
Eu dançava, mas...

PAULO
Você pode dançar para mim? Isso, levante-se, por favor, sem cerimônias! Que tal... Dance, por favor, por favor. (
Marcos se balança lentamente, ensaiando movimentos de dança contemporânea, inseguro) Isso! Era isso que faltava no projeto, agora entendo muito melhor! Era essa a vida que faltava, caramba, quanta classe, que movimentos. Que movimentos! O senhor sabe mesmo se balançar muito bem. O senhor... Você se incomoda se eu o chamar de Marcos?

MARCOS (parando de dançar)
Não, senhor Paulo.

PAULO
Ora, não pare de dançar! E chega disso de senhor Paulo. (
Tosse bastante.) Pode me chamar de Paulo de Ferro, é como me chamam por aqui. Mas dance, dance! Você dança muito bem.

MARCOS (ofegante)
Obrigado, Paulo de Ferro...

PAULO
Então, Marcos Bonfim... Você sabe que gostamos muito de músicas e danças, mas realmente não estamos acostumados com projetos tão pequenos e baratos. (Tosse.) Um curta-metragem musical? Você é muito engraçado.

MARCOS (parando de dançar)
Mas... Quando pensamos em vocês... Sabemos muito bem que o dinheiro é tão pouco para vocês... E divulgaremos sua empresa na Internet...

PAULO
Por favor, continue dançando! Não queria o ofender, sua dança não tem nada de engraçada, está alegrando meu dia! Depois de você vem o
Cirque du Soleil e você não imagina como eles são sisudos e chatos. (Tosse.) O que eu vinha dizendo é que eu e o Sr. de la Roche não acreditamos na viabilidade comercial de seu filme. Marcos, Marcos Bonfim, você sabe por que está dançando?

MARCOS (para de vez de dançar)
Porque você pediu...

PAULO
Exatamente, exatamente. Você já ouviu falar na Srita. de la Roche? Por favor, sente-se!

MARCOS
Não, senhor, mas, quanto à viabilidade do projeto... Sei que a contrapartida econômica não será muito forte, mas, sendo dinheiro de isenção... Calculamos aqui que o orçamento é bem abaixo do limite de sua empresa...

PAULO
Sim, é verdade. Mas você já ouviu falar na Srita. de la Roche?

MARCOS
Não, mas imagino que seja filha do Sr. de la Roche...

PAULO
Incrível, e ainda por cima é um gênio! (
Toca o telefone.) Sinto muito, eu preciso atender. (Tosse repetidamente, nervoso.) Sr. de la Roche? Sim, tenho-o aqui. Certo... Tudo bem, então levo adiante. Ok. (Desliga o telefone.) Marcos, Marcos Bonfim, você deveria estar muito orgulhoso! O Sr. de la Roche disse que você é perfeito, que ele nunca se emocionara antes com tanta intensidade vendo alguém dançar!


MARCOS (olhando ao redor)
Muito... obrigado?

PAULO
Sim! Você... (
espirra.) Estamos muito perto de chegarmos num acordo! Marcos, você pode tirar sua roupa?

MARCOS
Não, senhor.

PAULO
Ora, senhor pra lá, senhor pra cá! Ande logo, tire sua roupa. Estávamos falando de vida, do vigor de seu projeto! O que precisamos é saber se o senhor tem a saúde boa, se é que você me entende. (Crise de tosse.) Arre, o ar dessa cidade! Vamos, tire logo tudo, fará um bem danado para seu filme! (Pigarreia.) Somos apenas eu e o Sr. de la Roche o vendo (aponta para a câmera).

MARCOS
Eu... Claro. (tira toda a roupa e cobre seu púbis com um contrato).

PAULO
Muito bem! (Pigarreia.) Agora sim estamos falando como gente grande! Sem mais mistério, sem mais mistério. Marcos Bonfim, o senhor tem um belo corpo, ah, isso sim! (Tosse terrivelmente.) Queremos que, como contrapartida, você dê umas aulas de dança para a Srita. de la Roche. Evidentemente, podemos dar mais um dinheirinho para tal, sem problemas.

MARCOS
Só isso?... Senhor... Paulo... Me parece um bom acordo.

PAULO
Ora, que bom! (
retira um lenço do bolso e assoa o nariz.) Agora, deixe-me ver esses documentos!

MARCOS
Os... documentos?

PAULO
Esses em sua mão! Jogue-os aqui.

MARCOS (Lança os papéis sobre a mesa, Paulo os ignora e continua o encarando, com um sorriso de canto a canto do rosto. Marcos olha para o chão.)
É isso?... Posso me vestir...?


PAULO
Claro que pode. Muito obrigado, Marcos Bonfim.

Marcos pega suas roupas no chão, Paulo guarda a câmera dentro de sua gaveta, sorridente.

MARCOS
Muito obrigado por tudo, Paulo de Ferro.

PAULO
Você nem imagina, você nem imagina! (
Tosse.)