"Não queria que parecesse que eu estou querendo chamar atenção demais e eu mesmo acho um pouco imbecil fazer isso aqui, mas pensando bem – não tive tanto tempo assim pra pensar – achei que valeria a pena. Não vou escrever mais pra não soar mais melodramático ainda.
Estou com câncer. No intestino, principalmente, mas no fígado, no sangue, em tudo, mais ou menos. Acho que vocês entendem o que eu quero dizer.
Se vocês tiverem qualquer coisa pra resolver comigo, acho que é agora ou nunca. Não queria fazer um anúncio público, assim, virar fofoca grande num só segundo, mas é melhor do que virar fofoca pequena recheada de remorso das pessoas pra quem eu teria coragem de contar. Enfim, se tiverem o que dizer, me liguem.
Mas só se for alguma coisa de verdade. Não tô muito bem do humor".
Ele publicou a mensagem antes que desistisse. Reclinou-se com a cadeira, passou a encarar os volumes de Marcel Proust. O maior problema de morrer vai ser deixar isso tudo sem acabar, não os livros chatos do proust, mas tanta coisa indefinida, tanto chão que poderia ter sido mas não foi.
Ele já havia tido tempo para racionalizar as coisas e já inventava que seu medo não era da morte em si, mas de suas consequências. Porque a morte, não é mesmo? Recebeu uma mensagem no celular – "Sério?" "Sim, um café?" "Eu tô no trabalho" "Tudo bem, eu aguento até às dezenove" "é" "na sumaré, então?" "Sim." "Ok" – ele já sabia que seu irmão seria o primeiro a reagir abertamente à notícia, embora seus dois colegas aleatórios que curtiram seu status no facebook o deixassem um pouco mindfucked.
Deu tempo para um banho.
Mas eles curtiam o quê?
Outra mensagem no celular: "sério?", de um número desconhecido. Sério. Ele se vestiu, assegurou-se que estava com tudo que precisava e saiu. Assim que fechou atrás de si o portão do prédio, percebeu que não havia ninguém lá esperando-o sair do prédio, e mesmo as pessoas na rua o ignoravam ou o notavam como sempre. A Internet ainda não havia engolido todo o mundo, mas ele sabia que na faculdade seria diferente e que, de um jeito ou de outro, reconheceriam nele o condenado precoce que era.
Chega de exagerar tudo, e então, numa só caminhada, chegou ao café na Sumaré e se sentou do lado de fora, à espera do irmão. Pediu um expresso, acendeu um cigarro e se afundou na cadeira, observando a rua. Viu uma antiga colega do fundamental passando – muito feia, aliás, e um tanto burra – e riu de verdade, para fora. Mas ele se corrigiu logo, achando que podia estar fazendo o gênero risonho auto-irônico, maluquinho na depressão. Nada disso.
— Fumando?
— Sempre um gênio da observação, o senhor.
— Obrigado. Posso?
— Claro – oferece o cigarro e o assento – à vontade.
Ocuparam-se de acender o cigarro em dupla.
— Mas é verdade, mesmo?
— Mais verdade do que eu mesmo.