sábado, novembro 17, 2007

Manhãs.

Talvez esta seja uma boa hora para contar uma particularidade de minha desinteressante existência, nunca confessada simplesmente por não haver motivo algum, até agora, para espalhar esse tipo de coisa por aí, ainda correndo o risco de tornar-me motivo de chacota.

Todos os dias, logo ao acordar, vou à cozinha, encho uma xícara de água e coloco-a no microondas, às vezes 30, às vezes 45 segundos, talvez até todo 1 minuto, então me sento e despejo algumas colheradinhas de café solúvel no líquido quente, misturo, misturo, misturo e sorvo tudo num átimo. Tudo isso é insignificante, eu sei, e também sempre me foi assim, mas há uma curiosidade por trás disso tudo:

Sempre que faço isso, ou seja, todos os dias, ajo como um autômato, sem vontade própria e até mesmo em pleno sono. Só desperto ao sentir o gostoso fluido, às vezes quase como água, outras amaríssimo-amarguíssimo, quase um golpe em minha nuca; a temperatura também varia de dia a dia, e tudo isso muito aleatório e nem um pouco sujeito a minha vontade.

Aos poucos, entretanto, consegui definir alguma espécie de padrão em toda essa rotina. Pode parecer-lhe pura crendice ou sandice minha, não obstante, as qualidades de meu café diário servem-me como uma espécie de horóscopo infalível: quando está fraco e ralo, terei um dia simples e medíocre, sem qualquer felicidade ou tristeza; ao ponto, tudo dará certo e terei boa fortuna; amargo, virá mais um dia desastroso e desditoso. A temperatura define a intensidade dos fenômenos: quanto mais fervente, mais fortes são os acontecimentos.

Percebi isso quando, após acordar com um café fraquíssimo e apenas morno, tive um dia com pouco trabalho, mas nenhuma alegria advinda disso; com todos os colegas me ignorando, não que isso me causasse qualquer depressão; e com absolutamente nada acontecendo. Anotando os resultados do café da manhã e os acontecimentos diários, logo identifiquei os pontos em comum e o funcionamento desse bizarro — eu admito — mecanismo.

E é esta a hora de contar tudo isso a você, agora, porque não sei o que acontecerá comigo hoje. Eu pretendia começar uma nova fase de experimentações; tranquei-me no quarto ontem à noite, disposto a preparar meu café em plena consciência e, talvez, conseguir mudar meu futuro desse modo. De fato, hoje acordei com a maçaneta na mão, tentando abri-la com toda a força que meu ego sonâmbulo possuía.

Meu eu desperto alcançou a chave em meu bolso, abrimos a porta, fomos vagarosamente até a cozinha — veja bem, eu estava afetado pela falta de cafeína me esmurrando — e agarramos a caneca, trememos de ansiedade e daquele sono nervoso decorrente da abstinência matutina, enchemo-la de água e, nesse exatíssimo instante, eu apaguei. Eu tremo de aflição ao me lembrar disso, e não me sai da cabeça de maneira alguma... Olhe, eu não pretendia desmaiar, eu realmente achava que seria capaz de controlar tudo e...

Despertei com o café, como acontece todos os dias. Entretanto, contraí-me de medo ao sentir o líquido, o maldito fluido fervente, aquela mancha diária de negro presságio, que insistia em me trazer más notícias sobre o meu futuro próximo, queimando não em minha boca, não em minhas mucosas maltratadas. Não, antes fosse! Queimava-me as coxas, ardia-me o sexo, transtornava-me inteiro! Nunca me acontecera nada similar, nunca havia ocorrido qualquer deslize, e eu nem podia imaginar se me trazia novidades amargas ou não, sabia apenas que eram muito intensas...

Sei apenas que são intensas, compreende? Eu estou de calça trocada, mas nunca fervera tanto. Não sei bem o que me espera, por isso deixo tudo já avisado, caso me ocorra alguma incrível desgraça ou a mais soberba boa sorte. Pode ser que nada aconteça, mas o ardor de minhas pernas não me deixa afastar os maus pressentimentos e a taquicardia. Queimo por dentro diante do que virá; e não sei.

13 comentários:

  1. E o que aconteceu? ^__^'

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  2. Aconteceu que fiquei feliz e surpreso que alguém havia lido um texto tão longo assim aqui. :D

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  3. Bãozão né?
    Resenha da crônica previamente enviada ao autor.

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  4. Este comentário foi removido pelo autor.

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  5. Muito legal a história; compartilho da tensão do personagem.

    Muito bem escrita, também, para variar.

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  6. dois mil e sete?!

    poxa, e eu já te dava tantas sensaçõe assim?

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  7. não sei porque, mas achei por muitos instantes que 2007 fosse o ano passado

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  8. Ah, sim. Tinha que acabar assim, mesmo, não podia continuar.

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  9. entao, eu tambem li, mesmo sendo ongo..ow...bobão

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  10. Comigo acontece algo parecido, só que sou a única pessoa que conheço que toma café com leite de soja, quando conto todo mundo faz cara de nojo! Mas eu adoro! Tenho nojo é de suor de teta de vaca! Eca!

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