segunda-feira, maio 24, 2010

Carta aberta:

E, por fim, para encerrar meu ponto de vista, já que é provável que você queira terminar a conversa por aqui:

Acho deliciosa a possibilidade de confundir palavra com poesia com conto com romance e o livro em que ele se inscreve com o filme com a película em que ele se desenha com a luz do projetor com o rosto do ator com o caderno na mão de Bresson anotando seus axiomas aforísticos com uma tarde feliz com uma tarde com pessoas felizes com meu pé no chão frio.

Aproximadamente.

Estágio bem-remunerado.

Procuro estagiários de bom humor e talento na escrita. Horário livre por 3 meses. Remuneração a combinar.

Obrigado,
Ricardo Miyada.
rmiyada@gmail.com

sábado, maio 15, 2010

eu digo por meus olhos que

uma linha reta que deixa de um lado um pouco mais escuro (creme com nuances cinzas jogando-se sobre), doutro puro pela luz do sol (que vem dissolvida pela distância da janela, mas forte, resistente, bonita em seu preenchimento), sintonizado com as outras cores quentinhas com impressão de gelado da sala que ocupa essa parede.
a porta posta sobre ela, marrom do tipo antigo, ideia de lustra-móveis; octógonos irregulares, curvos, isto é, adornos sérios e brilhantes, protegem a saída de casa.
uma pequena chavezinha sem chaveirinho colocada transversal permite ver o pedacinho de batente através de si... colocada assim, no contra-luz, é apenas máscara, dum tom bronze exagerado pela sombra.

não há nada a se dizer sobre a maçaneta.

terça-feira, maio 11, 2010

Exercício do primeiro ano colegial, agora repensado, escrito às cegas, sem combustível (descreva o abrir e o comer de um bombom).

a todos os professores que algum dia me cumprimentaram com esperança em nossos olhos.

Bem, Ricardo pega em minhas mãos a bolinha magenta, quase não pesa nada, joga-as para cima e a captura de novo e de novo. Fazem sempre barulho, a cada queda, mas ela não é tanto aquele clequechiiitchi que eu esperaria, ela a lança e aperta com firmeza, quase como se não existissem, o som foi só um tunque misturado com um xi, curtinho, instantâneo. Avaliamos o peso, não é quase nada, minha mão direita segurando uma aba, sua mão esquerda segura a outra. Puxamos, eles se abrem, rodando, deslizam... foi fabricado assim, para ser feito assim, sempre igual, se envoltando — o envólucro, porque envolve e desenvolve o lucro — em torno de mim.

Ricardo fareja. Noz, amendoim, chocolate, sabor repetido no cheiro, resquícios de leite de amendôas, xuxa, uma só mordida...  Nos adiantamos, ainda resta nos livrar de vez do plástico em volta, e sua mão arranca a bolinha do papel-plástico e eu o jogo no chão, foda-se, Ahnão, derretido de novo, meus dedos mindinho se encontra com o melecar todo, parece morno — Ricardo olha feio para Robertinho, que o vendera o dito bombom, que, como adivinhado antes, é um Sonho de Valsa imaginário, sem chei(r)o, nem me lembro direito se é mesmo o sonho de valsa ou se é a Sensação —, nada disso parecia atrás do alumínio barato, nananão. Filhos da puta, mas não era bem isso, ele lambe seus dedos e percebe que agora é a outra mão que se sujará.

Besteira! Num átimo, tudo dentro da boca, enfiado, chega do cheiro de nós, amendoim, chocolate! Nada que não, pois temos que engolir-lhes tudo, mas antes terminar de desmanchá-lo na boca, esperando-nos despir o rio. Macieza. Meus dentes raspam a casca, arrepiamos as nuca e AH, OS PRAZERES QUÍMICOS DO CHOCOLATE, o wafer começa a querer amolecê e com jeito tu vai lá e racha-o, até com gentileza, e tu pega sua língua e Ricardo separa ambas as partes: esfera crocante, com gosto de jamaicanos nus, e pasta de amendoim endurecida, que parece seleção de futebol, dadinhos. Dissolve-se de um lado, tritura-se do outro:

Sabores que se entretemos. Quermesse: meloso, riozinho de lava torradinha, aroma por dentro da narina, delícia infantil: a gente engole mais a infância que o bombom. Tem uns caras que tu tão tocando trompete no fundo e derrepente você lembra onde que você tava, é uma quermesse e toca jazz, cool pra caramba. Ainda gruda na garganta.

Talvez eles tenham balas de cocos, falou Ricardo para a gente mesmo. Não sei, na real.