terça-feira, março 01, 2011

Mais um verão.

– Oh, eu não devia dizer, mas eu digo porque sou otário, mesmo: se eu quisesse eu te enganava, sabia? A senhora não sabe absolutamente porra nenhuma de carros, dá pra perceber isso pelo jeito que você olha pras coisas enquanto eu faço as coisas. Então se eu quisesse eu podia te dizer que o eixo frontal do transmissor secundário sofreu uma avaria severíssima e que agora ou você troca toda a serigrafia aqui no canto da xilogravura ou o carro nunca mais que vai andar, mesmo, e que o conserto é rápido porque tenho todas as peças aqui mas que tudo não sai por menos de 3 mil reais, ou eu podia te dizer logo que o problema é a embreagem, mesmo, coisa simples, mas que as peças e a crise, enfim, que tudo sairia por 3 mil, também, e daria no mesmo, pra mim, mas talvez você se convencesse mais no primeiro cenário do que no segundo. As pessoas gostam de um pouco de complicação, e a senhora, com todo respeito, não parece ser daquelas que iriam pro google procurar a tal xilografia da serragem, então ficaria tudo bem, mas uma pecinha assim custar 3 mil reais seria um absurdo. Mas seria tudo bem, porque você está com pressa ou coisa assim e você não vai usar seu seguro nem vai ter como sair daqui enquanto seu carro não ficar bom, então, senhora, você só poderia cair no meu papo, de um jeito ou de outro, mas, enfim, como você já deve ter percebido, o problema é só essa mangueirinha de nada aqui, cobro 50 reais porque eu também tô cheio dessas peças sobrando e não gosto de ver cliente pagando à toa por bobagem pequena, então você me dá cinquenta reais e eu faço o serviço e você segue adiante e eu fico aqui e ficamos por isso mesmo, igualzinho a antes de seu carro pifar e esquentar e dar um piripaque terrível e eu, bem, eu fico daquele jeito,  com o coração partido de ver mais uma partindo, mais um probleminha menor que não custa nada e que num segundo está pronto, sabe? Então é isso? 50 reais e nunca mais nos vemos?

– Sim, por favor.

– Que bom, fez a escolha certa. Tchau!

***

O carro não funcionou. Na verdade, o motor todo havia se fundido num bloco sólido. As rodovias, todas interditadas pelas enxurradas terríveis, permaneceram assim por 3 semanas. No fim das contas, Tom – o cara da oficina – levou para a cama sua primeira cliente. Foram muito felizes nessas 3 semanas. Quando a enxurrada passou, Tom cedeu sua bicicleta a Natália – a senhora em questão, na verdade beirando seus 30 anos –, que pedalou o mais rápido que pôde rumo à capital. 3 dias depois, os ninjas chegaram à oficina de Tom, sentiram o cheiro de Natália por todo seu corpo e o estraçalharam.

4 comentários:

  1. Ele não merecia ter sido morto pelos ninjas. Era um bom homem.

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  2. Essa Natália é a mesma daquele outro conto, o feminista?

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  3. Não, esses ninjas são muito machos, ao contrário das ninjas do outro conto, que eram, bem, muito fêmeas.

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  4. É a GUERRA DOS NINJAS! NINJAS VS NINJETES!!

    Me lembra um verão que passei na Catalunha, na verdade.

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