quarta-feira, agosto 10, 2011

Aquela noite foi 29 de fevereiro.


Estou esperando você me ligar; já nem sei quantas vezes foi desse jeito, você disse que me ligava mais tarde e aí, bem, aí você pareceu me esquecer por um tempo e, então, você ligou. Sei que vai acabar me ligando alguma hora, mas me magoa imaginar que — talvez — seja mais tarde do que eu quero, do que eu espero de você.

(agora você deve estar rindo um pouco com seus amigos ou assistindo ao fim do filme, já nem lembro a desculpa que você me deu dessa vez)

Uma parte razoável da vida se resume a isso: espera. Espero que, espero minha mãe, espero meu filho, espero o trem e, também... Elipse de um termo não é elipse de tempo. Eu continuo piscando meus olhos e balançando minhas pernas no escuro: sozinha, nua – estou de pijama, ainda assim –, imaginando se o jogo já acabou, se seus pais já falaram o que tinham que falar com você.

(o jantar está bom? seus dentes estão limpos? você ainda me ama?)

Sim, eu estou bem; não, não tem importância ficar sozinha; não tenho medo; sim, tenho medo, mas vai ficar tudo bem; até amanhã, é; não, é claro que eu; você; não; ah; tá, boa noite.

(dance à vontade, bode — berra!)

Não sei quando que as coisas começaram a ser assim, quando você conseguiu outras coisas na sua vida que não fossem eu. Você diz que sou eu que como seu tempo, talvez seja o contrário: é você quem come seu próprio tempo comigo. E aí só restam telefonemas, o resto...

(talvez você esteja mesmo na sua cama, e aí é ainda pior, porque você me trocou por uma horinha a mais de sono)

Como se eu já não te descansasse do monte de coisas que arranja pra fazer. Eu sou mais uma obrigação, só que eu posso ser deixada de lado, porque nos amamos, não é? O amor nos libera um do outro, não é?

Ontem conversei com o Caio, o Guilherme estava junto, o Pedro também, ou então Clara, Lara e Cotomara, não sei, só lembro de Lélio e Lina dançando felizes por se terem, porque aquilo sim era amor, apesar de ser outra natureza, a natureza do Miguilim e da festa do Manuelzão, fabricada, acho, as nuvens amanhã, amanhã acho que eu vou na feira, será que o Caio, você, ou o Guilherme, o Caio foi comigo? O meu irmão já saiu, acho, mas tá escuro-beterraba, a trança. Meu amor, não sei, plexo xixi, naturalmente, sabão coco-ração de porco, não gosto você me perde música, xixi sabonete xampu, xixi banheiro-cardume-de-pães, tenho que, ai, bexixiga xixixeia... Ah, merda.

Quando é assim, no meio da noite, no meio do frio, eu não sento: miro de pé — não sei se é do mesmo jeito que você, porque eu não fico tão de pé assim, e não dá pra ver direito o que acontece. E aí, se o destino estiver do jeito que parece estar, o telefone vai tocar antes de eu me secar. A calcinha molhada ou andar que nem pingüim? Alguém pode atender antes e levantar pra me chamar, aí vão me pegar no meio do caminho com as calças abaixadas, e eu não vou ter como fazer.

(você também riria de mim? está rindo de mim agora?)

Ah, é. Eu tô sozinha — você nem ligou.



 (texto escrito em 2008)


2 comentários:

  1. Fiquei muito tempo (quase um ano, mais?) assombrado por esse texto, sem conseguir ir adiante.

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  2. Esse texto está sempre comigo.

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