quarta-feira, abril 06, 2011

João Paulo Segundo.

P. Ah, escrever, escrever é viver, viver é escrever! Onde deito minha pena, os deleites deleitam e amamentam um mundo outro de posturas e possibilidades! Ah, mas quem vem aí?
J. Olá? Quem está à luz de velas?
P. (curvando-se sobre os papéis) Oh, parece-me que... João! Bom lhe ver aqui, amigo meu!
J. Ah, Paulo, que agradável surpresa. Que faz?
P. Não lhe interessa de verdade, coisas de um mundo outro.
J. É mesmo? Pois acabo de retornar de uma corrida no parque e mal sabe o que me aconteceu.
P. Não o sei, mesmo...
J. Pois...
P. Pois?
J. Pois que enquanto eu corria... Ora, conto-lhe, ainda que seu orgulho me esconda tudo! Estava eu correndo quando vi uma moça, veja bem, uma moça com as pernas de fora...
P. Fato bastante incomum nesses dias ensolarados.
J. Caída no chão, veja bem, as pernas descobertas pelo short e uma poça de sangue a seu lado!
P. E por quê?
J. Ora, me diga você! Por quê?
P. (desinclina-se de sobre os papéis, pondera com a caneta na mão) Oh, mundo, mundo, cruel mundo! Foi ela engolida por um automóvel?
J. Nada, nada!
P. Pois então que foi alvejada pela faca de um assaltante, ou, numa crise convulsa, caiu-se no chão, afetada pelos humores e amores de nosso tempo... Uma Werther de sua própria consciência, vertendo-lhe a alma o acesso nervoso súbito.
J. Lindo, lindo, porém falso, oh, muito falso!
P. Então o quê? Atiraram-lhe uma pedra, Madalena moderna sem Cristo a defendê-la?
J. Jesus que me livre, também não o foi.
P. Então o quê?
J. Que faz aí?
P. Eu?
J. Sim, você, ora, é claro!
P. Confabulo sobre a causa da queda da moça de shorts curtos, você bem o sabe.
J. E debaixo de seu braço, escondido o papel?... Escreve?
P. Ora, de que importa!
J. Tenho quase certeza que o ouvi louvando qualquer coisa. Passou a acreditar em Deus?
P. Sim, sempre acreditei com toda a força de meus cabelos.
J. Não use sua calvície como rota de fuga irônica! Escreve ou não escreve?
P. Escrevo.
J. Então bote aí, Paulo de Medeia, firule bem sua caligrafia: a moça dos shorts curtos não existe e você é um tolo.
P. (levanta-se, apontando a caneta ameaçadoramente para João) Quem, eu ou você?
J. Arre, reage rápido e infantil. Vá a merda, que vou ao mercado comprar queijo.
P. Passe bem, sofista!
J. Passe à merda, passe à merda!

10 comentários:

  1. Ficou mais divertido, mas achei menos... hmmm ("err")... sei lá, significativo. :/

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  2. Menos bequetiano, menos xeiquisperiano, sei.

    Não é menos significativo, eu juro!

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  3. É, de fato. Porém, insisto no meu direito sagrado de malinterpretar seu texto, obtusando-me das significações mais, hã, significativas.

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  4. Concedo, concedo; aos leitões, o que lhes pertence.

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  5. esse se faz bom porque o outro existe. mas o outro é bom apenas por existir.

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  6. A aclamação popular confirma! Vejam quantos comentários!

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  7. Caramba! Quanto dinamismo, quanta paixão!!
    Isso precisa ser montado!

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  8. sei lá do que vocês estão falando, mas ficou bem mais goethiano, aí não ficou mais e isso foi ótimo.

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