[...]
- Foge de suas obrigações para escrever.
- Com que motivo diz isso?
- Largou tudo que devia fazer para escrever, esquecendo seus problemas imediatos e terrenos. Chama-se irresponsabilidade, isso.
- Compreendo.
- Volte a fazer o que você fazia.
- Certo.
[...]
- Por que ainda escreve?
- Cê me mandou voltar a fazer o que eu fazia.
- Hah, ótimo. E suas obrigações.
- Com elas, lido eu bem.
- Lida bem ignorando-as?
- Como me senti obrigado a escrever, escrevo. Caso me sinta obrigado a fazer as minhas outras obrigações, lá irei eu.
- Por acaso você vive de escrever?
- Claro.
[.]
segunda-feira, abril 30, 2007
quinta-feira, abril 26, 2007
O processo durou cerca de 3 segundos.
O processo durou cerca de 3 segundos, mas vivi 25 anos naquele instante. Os conectores neurais nas têmporas, os injetores nas veias e o fluido libertador por todo o corpo, por todo o cérebro, por toda a rede neural, pelo lobo temporal medial, pelo diencéfalo, por toda a minha vida.
Após toda a minha vida, voltei para o instante imediatamente anterior àquilo, quando ainda estivera a vestir meu uniforme colante e roxo, resistente como uma armadura, mas leve como um uniforme colante. Fora difícil colocar a roupa, já imaginara o desafio impossível que viria pela frente.
- Lembre-se - começara Marcos - lembre-se de que você enfrentará um inimigo inexistente, mas mais real do que todos nós. Lembre-se de que o que você enfrenta é uma Idéia, Leon.
- Por que o uniforme, então? - eu perguntara.
- Você pode cair - ele apertara minha mão com força - você pode morrer, sabe-se lá o que pode acontecer consigo, mas acreditamos em você, acreditamos todos em você.
- Você acharia graça se eu dissesse que isso tudo me parece um grande e desconfortável déjà vu, como se toda a minha vida eu tivesse vivido este momento.
- Claro que não acharia.
Então, ele ligara os fios à minha cabeça e tudo o mais a meu corpo, em seguida a máquina e novamente e novamente.
Abri os olhos e fui lançado do prédio. Senti o ar voando ao meu redor, acelerando constantemente, aproximadamente dez metros por segundo por segundo, e mais rápido e, finalmente, parei no ar e me equilibrei, de pé. Meu córtex pré-motor queimava enquanto tentava ajustar minha visão, estudava meus movimentos e procurava os dela.
Buscava minha adversária, a Idéia.
Toda a cabeça doía, latejava. Todo o hemisfério direito em chamas, o esquerdo lutando para sobreviver, quando fui finalmente antingido por meu adversário, sendo arremessado por quase 200 metros. Destruí dois prédios ao cair, mas agora eu sabia onde ela estava, e talvez até como abordá-la.
Preparei uma implosão remota de nível 3, mirei vagamente e disparei, e o fato que se seguiu foi nada, a Idéia não estava mais lá. Tentei desesperado a concussão circunferencial, mas apenas as construções responderam ao meu ataque. Foi então que eu senti o mundo se mover logo ao meu lado e acertei um belo chute na minha adversária invisível.
Ouvi Marcos gritando "Isso mesmo!", mas não soube se aquilo era passado, presente ou futuro, de tal forma que ignorei, focando-me no alvo que não sabia onde estava. Mas estava, e a sociedade dependia de mim para parar a Idéia. A criatura já destruíra civilizações inteiras, mas podia ser parada por meu cérebro lotado de drogas, por minha força de vontade viciada, quiçá por meu corpo enferrujado.
Eu flutuava nos céus, ao mesmo tempo que era um gigante com os pés no chão, ao mesmo tempo que era uma estrutura atômico-molecular de dimensões continentais, cada movimento meu era todo o Mundo, eu era o anticorpo, ela era a infecção, o antígeno, o vírus que pretendia destruir o universo.
A Idéia avançou contra mim, acertou-me diversos golpes no abdômen, derrubando mais dezenas de prédios enquanto me empurrava para trás. Desejei que ela parasse, ela parou, senti que era a hora de acabar de uma vez por todas com tudo aquilo. Abri os braços e fechei os olhos, gritei apenas por costume e, instantes depois, talvez apenas 3 segundos, sentia toda a Idéia fluindo pelo meu corpo, enclausurada no meu cérebro, fluindo por toda a rede neural, pelo rádio, pelos sesamóides e pela tinta.
Após toda a minha vida, voltei para o instante imediatamente anterior àquilo, quando ainda estivera a vestir meu uniforme colante e roxo, resistente como uma armadura, mas leve como um uniforme colante. Fora difícil colocar a roupa, já imaginara o desafio impossível que viria pela frente.
- Lembre-se - começara Marcos - lembre-se de que você enfrentará um inimigo inexistente, mas mais real do que todos nós. Lembre-se de que o que você enfrenta é uma Idéia, Leon.
- Por que o uniforme, então? - eu perguntara.
- Você pode cair - ele apertara minha mão com força - você pode morrer, sabe-se lá o que pode acontecer consigo, mas acreditamos em você, acreditamos todos em você.
- Você acharia graça se eu dissesse que isso tudo me parece um grande e desconfortável déjà vu, como se toda a minha vida eu tivesse vivido este momento.
- Claro que não acharia.
Então, ele ligara os fios à minha cabeça e tudo o mais a meu corpo, em seguida a máquina e novamente e novamente.
Abri os olhos e fui lançado do prédio. Senti o ar voando ao meu redor, acelerando constantemente, aproximadamente dez metros por segundo por segundo, e mais rápido e, finalmente, parei no ar e me equilibrei, de pé. Meu córtex pré-motor queimava enquanto tentava ajustar minha visão, estudava meus movimentos e procurava os dela.
Buscava minha adversária, a Idéia.
Toda a cabeça doía, latejava. Todo o hemisfério direito em chamas, o esquerdo lutando para sobreviver, quando fui finalmente antingido por meu adversário, sendo arremessado por quase 200 metros. Destruí dois prédios ao cair, mas agora eu sabia onde ela estava, e talvez até como abordá-la.
Preparei uma implosão remota de nível 3, mirei vagamente e disparei, e o fato que se seguiu foi nada, a Idéia não estava mais lá. Tentei desesperado a concussão circunferencial, mas apenas as construções responderam ao meu ataque. Foi então que eu senti o mundo se mover logo ao meu lado e acertei um belo chute na minha adversária invisível.
Ouvi Marcos gritando "Isso mesmo!", mas não soube se aquilo era passado, presente ou futuro, de tal forma que ignorei, focando-me no alvo que não sabia onde estava. Mas estava, e a sociedade dependia de mim para parar a Idéia. A criatura já destruíra civilizações inteiras, mas podia ser parada por meu cérebro lotado de drogas, por minha força de vontade viciada, quiçá por meu corpo enferrujado.
Eu flutuava nos céus, ao mesmo tempo que era um gigante com os pés no chão, ao mesmo tempo que era uma estrutura atômico-molecular de dimensões continentais, cada movimento meu era todo o Mundo, eu era o anticorpo, ela era a infecção, o antígeno, o vírus que pretendia destruir o universo.
A Idéia avançou contra mim, acertou-me diversos golpes no abdômen, derrubando mais dezenas de prédios enquanto me empurrava para trás. Desejei que ela parasse, ela parou, senti que era a hora de acabar de uma vez por todas com tudo aquilo. Abri os braços e fechei os olhos, gritei apenas por costume e, instantes depois, talvez apenas 3 segundos, sentia toda a Idéia fluindo pelo meu corpo, enclausurada no meu cérebro, fluindo por toda a rede neural, pelo rádio, pelos sesamóides e pela tinta.
domingo, abril 15, 2007
terça-feira, abril 10, 2007
Diz per disse.
Pode ser que a cada palavra roubada da natureza aproximemo-nos mais do fim do vocabulário;
Pode ser que haja um desperdício tremendo de palavras no mundo;
Pode ser que o uso da escrita tenha que ser consciente, fechar a torneira das idéias e colher apenas o necessário;
Talvez seja insustentável a situação atual;
Talvez todos tenhamos que buscar um desenvolvimento sustentável da trama, dos livros, do romance;
Talvez escreva contos simplesmente porque romances gastariam muitas palavras, possivelmente chegando a um resultado ruim;
Quem sabe a salvação do mundo esteja na frase:
"Menos palavras [...]".
Pode ser que haja um desperdício tremendo de palavras no mundo;
Pode ser que o uso da escrita tenha que ser consciente, fechar a torneira das idéias e colher apenas o necessário;
Talvez seja insustentável a situação atual;
Talvez todos tenhamos que buscar um desenvolvimento sustentável da trama, dos livros, do romance;
Talvez escreva contos simplesmente porque romances gastariam muitas palavras, possivelmente chegando a um resultado ruim;
Quem sabe a salvação do mundo esteja na frase:
"Menos palavras [...]".
sexta-feira, abril 06, 2007
Desminto!
A moça com walkie-talkie se aproximou:
- Senhor, você se incomoda de outra pessoa se sentar com você?
- Não, não, claro - sorri para meu prato.
Outra pessoa sentou-se a minha frente, munida de bandeja, prato e talheres, exatamente como eu. Desviei pouco meu olhar, então quase não observei o rosto da mulher - foi uma mulher que se sentou.
Garfada foi e veio, eu quase acabava, acabava-me de comer numa segunda-feira, no horário infernal de almoço em um shopping ainda mais infernal, barulho e pessoas em excesso. Minha recém-adquirida companhia, entretanto, estava quieta; arrisquei olhar para frente, de leve, com o rosto virado para baixo.
Ela encontrou meus olhos e sorriu, e antes que eu fugisse, falou:
- Já nos conhecemos, não é?
Ergui-me mais um pouco, tentei sorrir de leve, ser simpático ou não-antipático:
- Eu tenho certeza que não te conheço.
Aproximou-se.
- Você é famoso, não é?
Levantei completamente minha cabeça, olhando-a agora realmente nos olhos.
- Não, imagino que não.
- Qual é seu nome?
- Pablo, Pablo. O seu?
- Sou Carolina; e você não combina com o nome Pablo, parece-me outra coisa...
Dei de ombros, fechei os olhos, coloquei na boca a última garfada, mastiguei e mastiguei, então engoli e finalmente a focalizei de novo.
- Chamo-me Carlos.
- Claro, Carlos! Muito mais a sua cara; Carlos, Carlos... Você é famoso, não é?
- Pelo contrário, sou desconhecido. Nem mesmo eu me conheço!
- Mente seu nome, provavelmente se esconde para evitar assédio.
- Não, não, claro que não. Evito usar meu nome para não me tornar um personagem de minhas próprias histórias; sou apenas precavido.
Caroline cerrou o cenho, afastou-se e aproximou-se novamente:
- Você é aquele escritor-detetive, que fica em um apartamento vigiando o outro, enquanto o outro vigia você, numa espionagem cíclica, infinita e destrutiva? É o sr. Blue.
- Não, claro que não.
- Quem é, então?
Levantei-me, peguei a bandeja e coloquei-a em cima do lixo, empilhada sobre algumas outras. Tratei de não procurar Carol com os olhos, tratei de enfiar os rabos entre a perna, tratei de sumir daquela luz amarelada e do cheiro de fastfood no ar.
Ignorando o ódio que meu personagem sentia por Carla, fingi que tudo aquilo nunca aconteceu.
- Senhor, você se incomoda de outra pessoa se sentar com você?
- Não, não, claro - sorri para meu prato.
Outra pessoa sentou-se a minha frente, munida de bandeja, prato e talheres, exatamente como eu. Desviei pouco meu olhar, então quase não observei o rosto da mulher - foi uma mulher que se sentou.
Garfada foi e veio, eu quase acabava, acabava-me de comer numa segunda-feira, no horário infernal de almoço em um shopping ainda mais infernal, barulho e pessoas em excesso. Minha recém-adquirida companhia, entretanto, estava quieta; arrisquei olhar para frente, de leve, com o rosto virado para baixo.
Ela encontrou meus olhos e sorriu, e antes que eu fugisse, falou:
- Já nos conhecemos, não é?
Ergui-me mais um pouco, tentei sorrir de leve, ser simpático ou não-antipático:
- Eu tenho certeza que não te conheço.
Aproximou-se.
- Você é famoso, não é?
Levantei completamente minha cabeça, olhando-a agora realmente nos olhos.
- Não, imagino que não.
- Qual é seu nome?
- Pablo, Pablo. O seu?
- Sou Carolina; e você não combina com o nome Pablo, parece-me outra coisa...
Dei de ombros, fechei os olhos, coloquei na boca a última garfada, mastiguei e mastiguei, então engoli e finalmente a focalizei de novo.
- Chamo-me Carlos.
- Claro, Carlos! Muito mais a sua cara; Carlos, Carlos... Você é famoso, não é?
- Pelo contrário, sou desconhecido. Nem mesmo eu me conheço!
- Mente seu nome, provavelmente se esconde para evitar assédio.
- Não, não, claro que não. Evito usar meu nome para não me tornar um personagem de minhas próprias histórias; sou apenas precavido.
Caroline cerrou o cenho, afastou-se e aproximou-se novamente:
- Você é aquele escritor-detetive, que fica em um apartamento vigiando o outro, enquanto o outro vigia você, numa espionagem cíclica, infinita e destrutiva? É o sr. Blue.
- Não, claro que não.
- Quem é, então?
Levantei-me, peguei a bandeja e coloquei-a em cima do lixo, empilhada sobre algumas outras. Tratei de não procurar Carol com os olhos, tratei de enfiar os rabos entre a perna, tratei de sumir daquela luz amarelada e do cheiro de fastfood no ar.
Ignorando o ódio que meu personagem sentia por Carla, fingi que tudo aquilo nunca aconteceu.
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