domingo, novembro 23, 2008

Spring

Era uma bela vista. Sempre quisera parar por ali, sentar e admirar a paisagem. Nunca, porém, tivera a oportunidade - nunca até aquele dia. "Esqueceu-se" de todos os compromissos, ignorou os toques de sua entediante companheira e correu para o mirante, a fim de satisfazer sua tão reprimida vontade. Debruçou-se no parapeito e pôs-se a contemplar a angulosa paisagem, suas irritações sumindo por trás do horizonte junto do sol. Num pulo, sentou-se onde antes seus braços estavam apoiados; o livre - balançar de suas pernas, assim como os olhos fechados, muito contribuía no sucesso de sua pequena escapada. Estava, finalmente, relaxado.

"Vamos, coragem."

Abriu os olhos e voltou-se para trás: um senhor examinava-o, interessado. Mantinha-se longe, mas aproximava-se, lenta e senoidicamente. Sem entender a intenção daquela pessoa (e sem querer entendê-la), o rapaz cerrou os olhos novamente e voltou a esquecer-se no pôr-do-sol; custara muito a conseguir aquela fuga para deixar-se perturbar tão facilmente.

"Você consegue."

Olhou para trás novamente: o senhor parara. Perto dele, porém, começavam a juntar-se algumas pessoas. O senhor demonstrava grande interesse pelo rapaz; as pessoas, naturalmente curiosas, assistiam à cena.

"Vai lá!"

As pessoas assistiam a cena. O interesse espalhara-se; todos queriam estimular o rapaz – a quê, ele não sabia. Perplexo com toda aquela situação, voltou a olhar a paisagem. Mas era impossível ignorar o que acontecia atrás dele. A multidão crescia e aproximava-se; mais e mais pessoas encorajavam-no a fazer aquilo que esperavam que ele fizesse.

"Não me decepcione!"

Decepcionar? Em quê‽ O que querem que eu faça? Isso começava a assustá-lo. O rapaz girou o corpo, a fim de descer do parapeito. As pessoas, já bem próximas, mostraram um quê de irritação.

"Não vamos deixar que você desista!"

Estavam interessadas demais no rapaz, no que ele faria ou deixaria de fazer. O que significava aquilo, afinal? Aprende-se desde pequeno que não se deve mostrar interesse por estranhos – deve-se cuspir, esbarrar e desprezar. E, claro, desculpar-se depois, sorrindo. Mas devo estar fazendo algo muito certo para merecer isso: motivavam-no, aplaudiam-no, admiravam-no, apaixonadas.

"Nada disso, meu filho."

Mesmo entre toda aquela gente, o senhor realmente se destacava: tinha no rapaz um interesse especial, que não conseguia se definir entre carinho e compaixão, mas que chegava a ser até inspirador; olhava para ele como se olha para um namorado, ou para um doente terminal.

"Filho, sabemos como você se sente, como você teve de abrir mão de tudo, deixar tudo para trás para vir até aqui. Sabemos que você estava desesperado, e que não tinha escolha. Compartilhamos seu sentimento, e, se não estamos com você, é por covardia e não sabedoria. Mas não é por esse motivo que vamos deixar que você desista de fazer o que está aqui para fazer. Tudo de que você precisa é uma pequena força."

Agora, isso sim era um alívio. Não sei o que eles querem, e eles compartilham meu sentimento! O rapaz resolveu que era melhor tentar voltar-se para o que restava de pôr-do-sol e recuperar sua pequena escapada. Mas era impossível: apesar de seus esforços para ignorá-lo, o quê solidificara-se, estabelecera-se, ganhara força. As pessoas estavam determinadas a encorajar o rapaz até o fim, até que ele fizesse o que elas estavam ali para vê-lo fazer. Ao ver que ele talvez não o fizesse, elas enraiveceram-se. O senhor estava particularmente desapontado – tinha grande esperança no rapaz.

O rapaz estava, sem qualquer brilho de dúvida, condenado: ou fazia de vez o que queriam que ele fizesse, ou fazia de vez o que queriam que ele fizesse. Mas era improvável que ele descobrisse o que queriam dele; logo, seria forçado a fazê-lo. E nada jamais apagaria de sua memória a expectativarrevoltadecepção estampada no rosto daquelas pessoas.

Insinuo-me então no mirante, por entre a multidão, chego mais perto que o senhor, que começara o que ali acontecia; empurro o rapaz pelas costas, dou a ele a força de que precisava, e o livro de sua vergonha.

Aplausos.

(escrito por Henrique 'lex' Rocha)

8 comentários:

  1. todo mundo tenta escrever uma versão própria de Cristo, gosh.

    ResponderExcluir
  2. Não tinha lido o título, porém uma palavra me veio à cabeça: "Spring". Acertei.

    "Sie schreien
    Spring
    Erlöse mich
    Spring
    Enttäusch mich nicht
    Spring für mich
    Spring ins Licht
    Spring"

    http://lyricwiki.org/Rammstein:Spring

    Ficou muito legal o texto, por sinal.

    ResponderExcluir
  3. "todo mundo tenta escrever uma versão própria de Cristo, gosh."

    [sarcasmo]Claro, porque todo escritor quer imitar a bíblia.[/sarcasmo]

    ResponderExcluir
  4. hmm, bem legal, queria saber se é mesmo uma versão da música do Rammstein ou foi uma coincidência (o que acho dificil considerando o nome igual em alemão).

    ResponderExcluir
  5. o que tem a ver, Cristo com a bíblia? hum

    ResponderExcluir
  6. É sim uma versão da música do Rammstein. *thumbs up*

    ResponderExcluir
  7. achei um pouco previsível e nunca ouvi (nem entenderia) Spring do Rammstein então não sei se teve sucesso como conversão.

    ResponderExcluir