quinta-feira, janeiro 31, 2008

Por quê? Por que você? Por que você fez isso?

Estávamos sentados frente a frente na minha cama, nus e encharcados por dentro e por fora. Choramos, então era só ela que ficava com seus filetes, corguinhos fugindo dos diques pestanejantes daquele rosto inchado e rubro e certamente infeliz comigo.

"Amor, quanto tempo isto vai durar? Quantas vezes mais poderemos ficar assim e por que você insiste em me olhar como se, a qualquer momento, tudo aqui pudesse ir pelos ares numa poeira de esquecimento?" era o que eu esperava dela, pois era o que eu pensava que ela pensava, mas não, ela não disse nada, só manteve os olhos nos meus, que buscavam dobrinhas de pele no pezinho dela enquanto vigiavam de soslaio o resto.

"Dolores, é uma mentira. Eu a amo e é mentira e é apenas literatura e seus beiços entre meus dentes são falsos e quando eu a lambo é ficção e você é uma das minhas personagens favoritas por causa de seus cachinhos douradiços e cada ângulo quebradiço e eu amo seu pescocinho porque ele é meu e só pode ser assim já que o autor sou eu e, se me entristeço, é só porque talvez eu me incomode que você seja apenas lirismo, mas não é o caso de você se entristecer por mim".

Eu noto o olhar vidrado daquele rapazote meio às índias em sua cama no quarto lotado de livros e, ainda assim, tão infantil!

— Porra, meu escritorzinho — pego o rosto dele entre meus dedos e o forço a me olhar direito — você está completamente louco.

Ele parece tremer tão de levinho que eu poderia sentir dó; eu não sinto, só quero o seu bem, só quero que seja feliz e me pague direito ao final das contas.

sábado, janeiro 26, 2008

-gressio.

Quase como se não fosse nada, ela pegou a minha mão e apertou pouquinho, aproximou-se de minha boca com os lábios entreabertos e cabia a mim beijá-la, acariciá-la ou levá-la para a cama e finalmente conhecer uma mulher. O curioso é que era impossível fazer qualquer uma das coisas, minha boca não me obedecia, minha mão congelava na sua, e ela não era, absolutamente, uma mulher.

Digressão: havia um casal que trocava olhares e amores entre si e que parecia prestes a copular em cima da mesa ao lado da nossa, suas roupas latinas provocavam eles mesmos enquanto as cadeiras do Café continuavam sendo cadeiras e o espaço era tão apertado como sempre. Talvez a bossa nova os excitasse ou algo ou tal. A verdade era que eram bem desejáveis e eu podia muito bem sê-los, estar com eles, transar com eles.

Agressão: ela não era e nunca poderia ser mulher, seus olhos eram a solidão e o resto parecia uma estátua ou um livro incompleto — os autores morrem cedo, deixando lacunas impossíveis de preencher e o mistério infinito do que era capaz que fosse. Mal chegava a ser pessoa, era um rabisco de Freud ou uma fórmula matemática não-euclidiana. Pouco importava, ela não era.

Transgressão: aceitei o beijo, fiz a carícia, imaginei a cama enquanto o gosto do café sem açúcar inundava — imundava — a minha língua na dela, eu estava lambendo uma divisão por zero e então o óbvio, ela não era possível e minha boca mostrou-lhe isso, era a hora de acabar com aquele jogo de espelhos invisíveis e tornar-se algo tangível.

Progressão: quando nos deitamos em sua cama, ela quase existia.

sexta-feira, janeiro 11, 2008

Vai nessa mesmo.

O pai deu ao menino um pedaço de pano preto, quase uma carteirinha, e disse 'Isso é pra dar sorte, meu filho, é um santinho; mas não abra, ou então...', o filho fez que sim, embora não acreditasse em Deus nem em seus santos, toda a ajuda é boa quando se faz o vestibular.

O garoto entrou em sua sala, suando baldes, sentia-se pronto e etc. Recebeu a prova e abaixou a cabeça e deslizou respostas pelos papéis e marcou letras várias e percebeu que não sabia porra nenhuma.

Vomitou no banheiro uma vez, duas e, na terceira, viu que aquilo não daria nada. Não funcionara o santinho, não funcionara o estudo, não funcionara a autoconfiança. Tudo que ensinaram ao menino era errado, parecia. Ele pegou a merda do santinho e abriu e havia um papel amassado, amarelado e os dizeres '1b2a3e4e5a6d7a [...]'. Etc.

Seguiu à risca as instruções e ninguém o pegou, chegou em casa e abraçou o pai e 'Muito obrigado, pai!' e por aí foi; até que ele viu o gabarito na Internet e havia-se enganado.

domingo, janeiro 06, 2008

Quadra.

Sorriam-se todos, pois se queriam e os quatro sabiam disso. Estava implícito naquele jogo de olhares e vontades a conversa animada, os interesses semelhantes e os times opostos, e tudo isso era transmitido pelas bocas confusas, pelas mãos em constante movimento, pelos pés na areia e, mesmo, pelos cabelos ao vento.

Primeiro, as duas amigas sentaram-se a uma mesa do bar à beira da praia, tiveram conversas mornas sobre qualquer coisa desinteressante para nós e também para elas, pediram as iscas de peixe e a necessária cerveja. Por uma casualidade, o costume, a ruiva buscou algo em torno, inquieta, e achou um rapaz que a observava e sorria. Tinha também um amigo com ele, era bonito e podia servir como companhia, de forma que a ruiva devolveu a simpatia aos homens da mesa do lado e todos começaram a papear.

E não é que ela risse por puro interesse! A graça estava mesmo nele e em seu jeito levemente canalha, talvez um pouco malandro, de se expressar e de fitar os olhos. E as coisas iam tão bem que os homens conseguiram conquistar posições, as mulheres os convidaram para lhes pesticarem os peixes e talvez, depois...

A mesa tornou-se aos poucos pequena e apertadinha para os quatro, o vento também apertava e as palavras já não bastavam pros pêlos eriçados pelas imaginações e começaram os e-ses, os vamos-ou-não-vamos e os demorous, o frio mostrou-se mais presente, a praia esvaziava e a ruiva, o rapaz e os outros dois foram para outro lugar, para outra fase preliminar fora do nosso alcance.

Restaram apenas toquinhos de cerveja.

quinta-feira, janeiro 03, 2008

É a mãe!

MINHA AVÓ DISSE UMA VEZ QUE FOI ELA QUE PARIU A MINHA MÃE E POR ISSO O FILHO DA PUTA SOU EU!