Estávamos sentados frente a frente na minha cama, nus e encharcados por dentro e por fora. Choramos, então era só ela que ficava com seus filetes, corguinhos fugindo dos diques pestanejantes daquele rosto inchado e rubro e certamente infeliz comigo.
"Amor, quanto tempo isto vai durar? Quantas vezes mais poderemos ficar assim e por que você insiste em me olhar como se, a qualquer momento, tudo aqui pudesse ir pelos ares numa poeira de esquecimento?" era o que eu esperava dela, pois era o que eu pensava que ela pensava, mas não, ela não disse nada, só manteve os olhos nos meus, que buscavam dobrinhas de pele no pezinho dela enquanto vigiavam de soslaio o resto.
"Dolores, é uma mentira. Eu a amo e é mentira e é apenas literatura e seus beiços entre meus dentes são falsos e quando eu a lambo é ficção e você é uma das minhas personagens favoritas por causa de seus cachinhos douradiços e cada ângulo quebradiço e eu amo seu pescocinho porque ele é meu e só pode ser assim já que o autor sou eu e, se me entristeço, é só porque talvez eu me incomode que você seja apenas lirismo, mas não é o caso de você se entristecer por mim".
Eu noto o olhar vidrado daquele rapazote meio às índias em sua cama no quarto lotado de livros e, ainda assim, tão infantil!
— Porra, meu escritorzinho — pego o rosto dele entre meus dedos e o forço a me olhar direito — você está completamente louco.
Ele parece tremer tão de levinho que eu poderia sentir dó; eu não sinto, só quero o seu bem, só quero que seja feliz e me pague direito ao final das contas.