sábado, janeiro 26, 2008

-gressio.

Quase como se não fosse nada, ela pegou a minha mão e apertou pouquinho, aproximou-se de minha boca com os lábios entreabertos e cabia a mim beijá-la, acariciá-la ou levá-la para a cama e finalmente conhecer uma mulher. O curioso é que era impossível fazer qualquer uma das coisas, minha boca não me obedecia, minha mão congelava na sua, e ela não era, absolutamente, uma mulher.

Digressão: havia um casal que trocava olhares e amores entre si e que parecia prestes a copular em cima da mesa ao lado da nossa, suas roupas latinas provocavam eles mesmos enquanto as cadeiras do Café continuavam sendo cadeiras e o espaço era tão apertado como sempre. Talvez a bossa nova os excitasse ou algo ou tal. A verdade era que eram bem desejáveis e eu podia muito bem sê-los, estar com eles, transar com eles.

Agressão: ela não era e nunca poderia ser mulher, seus olhos eram a solidão e o resto parecia uma estátua ou um livro incompleto — os autores morrem cedo, deixando lacunas impossíveis de preencher e o mistério infinito do que era capaz que fosse. Mal chegava a ser pessoa, era um rabisco de Freud ou uma fórmula matemática não-euclidiana. Pouco importava, ela não era.

Transgressão: aceitei o beijo, fiz a carícia, imaginei a cama enquanto o gosto do café sem açúcar inundava — imundava — a minha língua na dela, eu estava lambendo uma divisão por zero e então o óbvio, ela não era possível e minha boca mostrou-lhe isso, era a hora de acabar com aquele jogo de espelhos invisíveis e tornar-se algo tangível.

Progressão: quando nos deitamos em sua cama, ela quase existia.

13 comentários:

  1. "os autores morrem cedo, deixando lacunas impossíveis de preencher e o mistério infinito do que era capaz que fosse."
    Essa parte brilhou sobre o texto inteiro... ao menos para mim, que estou meio abalada com a falta que o Drummond me faz, apesar de achar que isso não teve nada a ver com aquilo, e coisa e tal e etc.

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  2. Hahaha, adorei os -gressão. Só que o título em latim é aquele velho conversê pseudo...

    Bem legal, mesmo, e olha que pelo comecinho, eu não dava era nada...

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  3. Não vou deixar de escrever em latim quando o melhor para o texto for o latim, mesmo correndo o risco de parecer um pseudo intelectual.

    Explico: escrevo -gressio para deixar claro que falo de um radical significativo, pra deixar claro que é uma palavra com significado próprio. Substituir por "-gressão" faria parecer que faço um simples jogo de palavras, que brinco com palavras parecidas ou coisa do gênero. Não é o caso.

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  4. Não acho que você deveria mudar. Nem estou reclamando ou coisa do tipo. Apenas chamando a atenção para o que as más(?) línguas poderiam sugerir.

    Credo, que mau humor...

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  5. Senshin, seu seu.

    Não escrevi aquilo respondendo necessariamente a você, mas sim às tais más(?) línguas.

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  6. Porque não postou o texto do bê bê bê aqui?
    Não é experimental o bastante?

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  7. é bom. agora parece melhor. às vezes.
    haverá?

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  8. Às vezes pode ser que.

    Senshin: não postei, mas vou postar. Só não coloquei pela pouca diferença de tempo entre eles (escrevi um ontem e esse eu publiquei no dia 26), então eu deixo um tempo de respiro pro texto, pelo menos quando eu acho que ele merece.

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  9. Ah, sim.

    Veja bem, lendo meu comentário agora, talvez tenha parecido um tanto...hmmm...rude. Não era a intenção.

    É que digamos que aquele texto se baseia mais em uma boa história (e uma boa abordagem da história) do que em uma escrita hackyana level 99, como os últimos, cheios de sacadas, de uma linguagem x+y e tal.

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  10. Gostei. ^^

    Aliás, a seleção ficou MUITO boa. MUITO mesmo.

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  11. Gressio é nome de magia de Harry Potter.

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