quarta-feira, janeiro 06, 2010

"Não entendo absolutamente nada", parte I.

Recebo em mãos um pacote lacrado, pardo, com meu belo nome estampado de um lado (do outro, Érisson Forde, meu chefe, sempre me ameaçando com seu chicote, ahn), e mais importante de tudo: P E S A D O e um tanto retangular.

"Que é isso, caramba?", digo, enquanto coloco cuidadosamente o pacote em cima da mesa. Arre, costas, minhas costas dòem horrores graças a um belo fim-de-semana inteiro jogando pelota basca...Ufa, bom sofá!

"São runas antigas", ele (o estagiário) ri, "o 'Rique Direto' encontrou no Amazonas, parece que é coisa importante".

Estico o pescoço e penso em três palavras que começam com x: xenofobia, xenofilia e xenocracia; "Esperam que eu escreva sobre isso, é?"

"Ah, não", o estagiário dá uma volta na sala de descanso da redação, "não é isso. Falaram que é pra você traduzir".

"Eu não sou tradutor", levanto-me procurando algo no bolso, "vocês sabem muito bem disso", acho um maço de cigarros, "e eu não conheço runa antiga nenhuma", ponho um cigarro na boca e acendo numa boa baforada, "e tem todo o material da Copa para cobrir", me posiciono no contra-luz, olhando para fora da janela.

O estagiário tem mania de coçar a cara toda (barbudo desgraçado) quando fala. "Bem, o Érisson disse pra te dizer que nenhum de nós é tradutor, também, que ninguém no mundo conhece essa língua aí e, mais importante, que você não precisa se preocupar com o resto do trabalho, eu vou assumir sua parte".

"Filho-da-puta", arre, odeio cigarro light.

"Temporariamente".

"Quê?", uma borboleta no décimo quinto andar? Voando em São Paulo?

"Isso de assumir sua parte. É temporário, só, ahn... até quando você terminar a tradução, acho".

A borboleta luta contra uma súbita rajada de ar, tenta com tudo que tem se manter frente a frente comigo. Será que é meu perfume? Ela não sentiria meu perfume pela janela grossa de vidro (bom que seja grossa, pro caso de algum de nós se revelar o Homem-Aranha ou o Clark Kent), mas, ainda assim... Só é possível que tenha alguma coisa a ver com o pacote P E S A D O em cima da mesa. Mmm... "Olha, estagiário, deixa eu te dizer uma coisa...", então ouço o característico tilintar de moedas no corredor... Arre!

Érrisson Forde, 42, bom homem, chefe-editor-dono de nosso jornal vespertino; seu olhar consegue domar leões, acho, embora nunca tenha os visto frente a frente e...

"Bom dia, bom dia.", ele tosse pausadamente, "Ei, Cabeçudo, você sabe que acabou essa de fumar aqui dentro".

Enfio meu cigarro na boca e chupotrago o máximo que dá. Minha perna esquerda vibra, nervosa e dona de seu próprio nariz. Cadê a borboleta, diabo, cadê a borboleta?

"Filho-da-puta. Em duas semanas você tem sua tradução pronta", tento pegar o pacote P E S A D O e sair vagarosamente. Me canso, de forma que sou obrigado a dar uma corridinha até o elevador se fechando.

"Bicha.".

3 comentários:

  1. O Érrisson é muito bom, bom mesmo, ele existe, sabe, fala com os funcionários. Podia simplesmente ficar fechado no seu escritório, com a sua poltrona de couro e mandar o trabalho por e-mail, com um Att-padrão, e um arquivo runas.jpg. Ele é muito bom, ainda entrega trabalho em pacotes bonitos.

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  2. É um chefe belo e corajoso, de fato.

    Fala grande!

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  3. acho um inovador, fala grande, e não em courier.

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