Recebo em mãos um pacote lacrado, pardo, com meu belo nome estampado de um lado (do outro, Érisson Forde, meu chefe, sempre me ameaçando com seu chicote, ahn), e mais importante de tudo: P E S A D O e um tanto retangular.
"Que é isso, caramba?", digo, enquanto coloco cuidadosamente o pacote em cima da mesa. Arre, costas, minhas costas dòem horrores graças a um belo fim-de-semana inteiro jogando pelota basca...Ufa, bom sofá!
"São runas antigas", ele (o estagiário) ri, "o 'Rique Direto' encontrou no Amazonas, parece que é coisa importante".
Estico o pescoço e penso em três palavras que começam com x: xenofobia, xenofilia e xenocracia; "Esperam que eu escreva sobre isso, é?"
"Ah, não", o estagiário dá uma volta na sala de descanso da redação, "não é isso. Falaram que é pra você traduzir".
"Eu não sou tradutor", levanto-me procurando algo no bolso, "vocês sabem muito bem disso", acho um maço de cigarros, "e eu não conheço runa antiga nenhuma", ponho um cigarro na boca e acendo numa boa baforada, "e tem todo o material da Copa para cobrir", me posiciono no contra-luz, olhando para fora da janela.
O estagiário tem mania de coçar a cara toda (barbudo desgraçado) quando fala. "Bem, o Érisson disse pra te dizer que nenhum de nós é tradutor, também, que ninguém no mundo conhece essa língua aí e, mais importante, que você não precisa se preocupar com o resto do trabalho, eu vou assumir sua parte".
"Filho-da-puta", arre, odeio cigarro light.
"Temporariamente".
"Quê?", uma borboleta no décimo quinto andar? Voando em São Paulo?
"Isso de assumir sua parte. É temporário, só, ahn... até quando você terminar a tradução, acho".
A borboleta luta contra uma súbita rajada de ar, tenta com tudo que tem se manter frente a frente comigo. Será que é meu perfume? Ela não sentiria meu perfume pela janela grossa de vidro (bom que seja grossa, pro caso de algum de nós se revelar o Homem-Aranha ou o Clark Kent), mas, ainda assim... Só é possível que tenha alguma coisa a ver com o pacote P E S A D O em cima da mesa. Mmm... "Olha, estagiário, deixa eu te dizer uma coisa...", então ouço o característico tilintar de moedas no corredor... Arre!
Érrisson Forde, 42, bom homem, chefe-editor-dono de nosso jornal vespertino; seu olhar consegue domar leões, acho, embora nunca tenha os visto frente a frente e...
"Bom dia, bom dia.", ele tosse pausadamente, "Ei, Cabeçudo, você sabe que acabou essa de fumar aqui dentro".
Enfio meu cigarro na boca e chupotrago o máximo que dá. Minha perna esquerda vibra, nervosa e dona de seu próprio nariz. Cadê a borboleta, diabo, cadê a borboleta?
"Filho-da-puta. Em duas semanas você tem sua tradução pronta", tento pegar o pacote P E S A D O e sair vagarosamente. Me canso, de forma que sou obrigado a dar uma corridinha até o elevador se fechando.
"Bicha.".
O Érrisson é muito bom, bom mesmo, ele existe, sabe, fala com os funcionários. Podia simplesmente ficar fechado no seu escritório, com a sua poltrona de couro e mandar o trabalho por e-mail, com um Att-padrão, e um arquivo runas.jpg. Ele é muito bom, ainda entrega trabalho em pacotes bonitos.
ResponderExcluirÉ um chefe belo e corajoso, de fato.
ResponderExcluirFala grande!
acho um inovador, fala grande, e não em courier.
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